O coronavírus nos levou a um cenário de colapso?
Do COVID-19 aos circuit breakers, nossos sistemas atingiram níveis sérios de disfunção. Saiba a importância de antever cenários de colapso para agir rapidamente
O cenário não é apocalíptico, mas de contingência. De qualquer forma, é possível perceber como as defesas que nossa sociedade tem para eventos de Black Swan como a pandemia do coronavírus, são limitadas.
Ainda que as autoridades governamentais consigam exercer algum controle sobre a situação, as pessoas lutam contra o pânico de adoecer — o álcool gel desapareceu das prateleiras dos supermercados em todo o mundo — e as empresas contra o pânico de passarem meses improdutivas — o LinkedIn nos inunda com boas práticas de home office.
O big deal é: como podemos nos preparar melhor esse tipo de situação?
O que é um cenário de colapso?
Vamos dar um passo atrás e nos aprofundar um pouco mais na teoria dos Futures Studies e Futures Design para contextualizar o que é “cenário” e o que é “colapso”.
Os cenários são a espinha dorsal do Foresight Estratégico e dos Futures Studies. As metodologias podem variar, mas algo que essas abordagens têm em comum é basear suas estratégias em construir cenários de futuros com múltiplas variáveis.
Cenários são histórias sobre sociedade, tecnologia e questões emergentes em uma configuração de futuro específica. São descrições narrativas que incluem aspectos sociais, tecnológicos, econômicos, ambientais e políticos — um framework que chamamos de STEEP.
Também podemos adicionar à panela alguns sabores extras na forma de cultura, comportamento, valores, além de indicadores mais subjetivos.
Uma das bases da teoria e metodologia dos Futures Studies é o trabalho de Jim Dator sobre arquétipos de futuro, também conhecido como os quatro futuros.
Em 1979, Jim Dator, diretor do recém-criado programa de pós-doutorado da Universidade do Hawaii, publicou um brilhante modelo de histórias de mudança social em um jornal chamado Perspectives on Cross-Cultural Psychology […] O modelo de Dator observou que todas as nossas narrativas (histórias, cenários) sobre questões de mudança social podem ser classificadas em quatro grupos recorrentes.
São eles:
Continuação – negócios como de costume, viés de crescimento.
Limites e disciplina – comportamentos a se adaptar para lidar com crescentes limitações internas ou ambientais.
Declínio e colapso – degradação do sistema e níveis de disfunção crescentes à medida que a crise avança.
Transformação – novas tecnologias, negócios ou fatores sociais que mudam o jogo.
Por definição, cenários de colapso são situações em que “a economia não pode — ou possivelmente não deveria — continuar crescendo em nosso mundo finito”.
Deve-se enfatizar que futuros de colapso não devem ser retratados como o pior cenário possível. Como diria o futurista Andy Hines, esses eventos não sugerem o apocalipse, mas sim momentos nos quais “o sistema regride ou mergulha em um nível de disfunção”.
Crise do petróleo, COVID-19 e Circuit Breakers: um flashback do caos
Com essa definição de disfunção sistêmica em mente, vamos dar uma olhada no estado atual das coisas após os eventos do COVID-19, selecionando alguns eventos específicos:
- Na segunda-feira (9 de março), bolsas de valores de todo o mundo dispararam o Circuit Breaker, mecanismo que interrompe negociações temporariamente quando os preços têm queda acentuada. De acordo com o Financial Times, o método visa “evitar extrema volatilidade”.
Segundo o Wall Street Journal, na “Circuit Breaker Monday”, a bolsa de Nova York acionou o mecanismo pela primeira vez desde 1997, após cair 10%. As bolsas de Hong Kong, Xangai e São Paulo seguiram a tendência.
- Três dias antes, na sexta-feira (6 de março), o prefeito de Austin, Steve Adler, declarou estado de emergência local e cancelou o SXSW 2020, um dos maiores eventos de inovação do mundo. O cancelamento deixou milhares de participantes perdidos com políticas de reembolso de passagens e viagens.
Outros eventos internacionais como o Coachella, o Festival de Cannes, a Eurocopa e até mesmo as Olimpíadas enfrentam o dilema entre adiar ou cancelar.
- No âmbito do trabalho, as empresas multinacionais estão adotando políticas de viagem zero e cancelando todas as reuniões internacionais, além de implementar políticas de trabalho remoto.
Atualização: desde que esse artigo começou a ser escrito, a situação se deteriorou. Grandes eventos estão fora de questão. O distanciamento social é a nova etiqueta.
A Circuit Breaker Monday foi desencadeada por movimentos da Arábia Saudita e Rússia em relação ao acordo de produção de petróleo. A ação causou um efeito cascata na economia somada aos eventos do COVID-19.
Todos os envolvidos — pessoas, empresas e países — estão reagindo como podem. Alguns são ágeis e regulamentados, como a China. Alguns são disciplinados e aprenderam com experiências anteriores, como Cingapura e Hong Kong.
Outros estão empilhando papel higiênico. Os métodos de resposta são tão diversos quanto discutíveis. No entanto, eles são urgentes.
Retomando a definição de cenários de colapso, como você viu, não significa apocalipse, mas uma degradação do sistema que causa disfuncionalidades. Parece familiar?
Em meio a isso, uma questão permanece: como devemos agir, reagir ou nos preparar para situações como essa?
Como podemos nos preparar para a próxima? Futures Design
“A maioria das pessoas não acredita que algo pode acontecer até que aconteça. Isso não é estupidez ou fraqueza, é apenas a natureza humana” – Max Brooks, Guerra Mundial Z.
Parece heresia citar Guerra Mundial Z em um momento tão delicado, mas essa frase nos ensina algo importante sobre mercados globais, negócios e nossas vidas: nós geralmente não enxergamos problemas como esses dobrando a esquina até que estejam aqui.
Isso quer dizer que raramente estamos preparados para situações extremas.
Muitos negócios não têm estratégias para cenários de colapso. Ou para qualquer cenário.
Futures Studies e Futures Design ainda são considerados “perfumaria” por muitos — pelo menos até uma crise de grandes proporções acontecer e sejamos pressionados como empresas, indivíduos e sociedade a repensarmos nossa (falta de) estratégia.
Nós podemos fazer melhor. Podemos nos preparar melhor. Podemos reagir mais rápido e antecipar riscos. Talvez não para essa crise, mas para a próxima — e vai ter uma próxima.
É exatamente isso que nós, pesquisadores e designers de futuro, fazemos. Não é sobre prever eventos ou catástrofes, mas olhar para cenários plausíveis, possíveis, prováveis e improváveis para criar estratégias que combatam incertezas.
As pessoas tendem a ver Futures Design apenas como uma disciplina relacionada à inovação, focada mais em novidade do que em sobrevivência. Isso também está correto, mas isso não é nem metade.
A outra parte é sobre criar escudos: estratégias de prevenção de riscos, resiliência e antifragilidade. É algo como um seguro saúde, que pagamos e esperamos não ter de usar.
Design de cenários é semelhante: projetamos uma estratégia e esperamos não ter a oportunidade de colocá-la em prática. Mas se o dia de apertar o botão vermelho chegar, ficaremos eternamente gratos por tê-la.
O que conseguimos aprender com a COVID-19?
- Já temos pistas de como será o futuro do trabalho.
- Nossos sistemas de saúde não são suficientes para atender casos de saúde pública em massa.
- É importante saber responder rápido a mudanças.
- O poder da solidariedade coletiva — e a toxicidade do egoísmo.
- Somos parte de um reles ponto azul no universo.
Esperamos que a lição tenha sido aprendida. Afinal, quem saberá qual será o próximo Black Swan? Um possível colapso climático bate à porta…
É hora de pararmos de reagir a situações de emergência e começarmos a nos preparar para elas, agir proativamente e criar estratégias para sobreviver a invernos frios, pandemias ou Circuit Breakers do mercado de ações.
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